As origens. O nome do lugar
No território que hoje constitui a freguesia de Campolide, são conhecidos vestígios de ocupação humana desde os alvores da Pré-História. Várias estações arqueológicas estão referenciadas na área de Campolide, desde o Paleolítico Inferior (Alto da Serafina, Calçada dos Mestres, Casal do Sola, Terras do Pita, Santana, Rabicha) ao Neolítico e Calcolítico (Sete Moinhos, Vila Pouca). A maioria dessas estações está hoje destruída, e o seu espólio está disperso pelos museus Nacional de Arqueologia, dos Serviços Geológicos, e da Cidade. Durante a construção do túnel do Rossio (do lado de Campolide chamado da Rabicha) encontraram-se duas galerias para exploração de sílex, matéria-prima essencial para o fabrico de armas e utensílios, antes da generalização do uso dos metais.
Dos períodos Romano e Visigótico não são conhecidos vestígios em Campolide e a presença muçulmana só pode ser atestada pelo topónimo. O arabista David Lopes demonstrou que Campolide significa “campo de Olide”, sendo Olide nome árabe de homem, referenciado na documentação medieval desde o séc. IX e que está presente noutros topónimos, como por ex. Povolide (póvoa de Olide) e Valhadolide (cidade de Olide). A julgar pelas mais antigas referências conhecidas (sécs. XII e XIII), a evolução da palavra terá ocorrido da seguinte forma: Campoliti> Campolidi> Campolide. Outras explicações foram apresentadas por Duarte Nunes de Leão (séc. XVI), que considerava ser o “campo em que os da lide estavam alojados” durante o cerco de Lisboa pelos castelhanos, em 1384 (porém há quem diga que este campo de lides se referia a garraiadas, enquanto outros se referem a amanho de terra e outros ainda a escaramuças com invasores); e por Júlio de Castilho, para quem teria origem num campo dos “lites” (nome dado aos escravos libertos pelos Godos) e que estes teriam sido os colonizadores desta área. No entanto, Norberto de Araújo, autor de “Peregrinações em Lisboa” põe de parte estas explicações, porque já em 1147, o cruzado Osberno se referia à zona de Santos por “Campolet” ou “Campolit”, e em 1211 se referia que o Rei D. Afonso II possuía “duas víneas in Campolide”.
As vinhas de Campolide medieval (séc. XII a séc XIV)
À data da reconquista de Lisboa (1147), Campolide era uma designação genérica que abrangia um território muito vasto, pelo que, muitas referências documentais antigas sobre Campolide não dizem respeito à atual freguesia e tão só ao nome.
Com reservas sobre a localização exata, referem-se as mais antigas notícias sobre Campolide:
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1220 – Os Hospitalários tinham duas vinhas em Campolide (T. T., Gaveta 1-2-18).
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1226 – Compra que fez Susana Joanes, freira de Santos, de uma vinha em Campolide (T. T., Santos-o-Novo, cx. 6, n.o 470).
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1226 – Pedro Zarcus vendeu a Vicente Martins uma vinha em Campolide por 73 maravedis (T. T., Santos-o-Novo, cx. 6, n.O 457).
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1284 – O mosteiro de Santos emprazou uma casa e vinha em Campolide (T. T., Santos-o-Novo, cx. 6, n.o 471).
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1293 – Doação feita ao mosteiro de Santos por D. Domingos e D. Urraca Mendes, de uma vinha em Campolide (T. T., GavetaXXI-3-11).
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1326 – Martim Dade, cónego da Sé de Lisboa, tinha vinha, olivais e casa em Campolide (Cabido da Sé, Documentos para a História da Cidade …).
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1340 – Emprazamento da vinha do Fernando, em Campo lide, com foro anual de um tonel de vinho (T. T., Santos-o-Novo, cx. 6, n.o 460).
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1346 – João Alho recebeu, por troca com o mosteiro de Santos, vinhas e herdades de pão em Campolide (T. T., Santos-o-Novo, cx. 6, n.o 474).
Proprietários aqui eram, sem dúvida, os Hospitalários (depois Ordem de Malta), e assim continuaram até ao séc. XVIII, como se prova por documentação posterior. Aliás, no Arco da Calçada da Quintinha está gravada a cruz de Malta, sendo conhecida a troca que o Marquês de Pombal fez, em cerca de 1740, de propriedades que tinha nos Prazeres e em Alcântara, por outras dos cavaleiros de Malta em Campolide.
O Campolide medieval era, tal como outros lugares que hoje integram a cidade, um povoado “fora de portas”, e todo o seu terreno constituiu, desde sempre, uma boa terra de cultivo, onde havia várias quintas. Em toda a encosta existiam olivais, pomares e vinhedo. As crónicas afonsinas referem que Lisboa bebia os bons vinhos de Palmela e de Campolide. Aliás, D. Afonso II possuía “duas víneas in Campolide”. A qualidade do vinho e a economia de transportes levaram a que Lisboa, durante séculos, bebesse os seus vinhos. Um documento de 1340 refere-se também à “Vinha de D. Fernando em Campolide”. Esta vitivinicultura estendeu-se pelo menos até ao século XVI e nessa época, o vinho de Campolide, era o que chamamos hoje um vinho de marca. Também a fruta e o azeite aqui produzidos eram consumidos em Lisboa.
Outra atividade local importante era a extração de pedra, referida desde o séc. XV nesta área, onde ainda atualmente se conservam vestígios de antigas pedreiras.
De São João dos Bem-Casados ao Carvalhão (séc. XV-XVII)
No séc. XVI, tinha-se acentuado o crescimento da cidade para fora das muralhas da cerca fernandina e foram criadas novas freguesias. No que se relaciona com Campolide, assinale-se que dos Mártires se desanexaram Santa Catarina (1559) e Santos-o-Velho (1566), enquanto que de Santa Justa se destacaram S. José (1567) e S. Sebastião da Pedreira (antes de 1570).
Uma descrição de Lisboa, em 1625, dá-nos a determinado passo uma imagem daquilo que era então Campolide:
«São João dos Bem Cazados
esta hermida se frequenta
de poucos, porque é de poucos
devendo ser todos della
Chama-se aqui Campolide
Hua saída muy bella
Pollos largos horizontes
Que descobre a redondeza»
A ermida de S. João dos Bem Casados datava de finais do séc. XVI e tinha sido construída junto ao palácio dos Anadias (início da Rua Silva Carvalho), e dela se descobriam os largos horizontes das redondezas de Campolide, já que Campolide era ainda um enorme descampado, com escassos moradores.
Campolide foi uma zona fortificada de que ainda há vestígios e uma das saídas de Lisboa. No séc. XVII, durante a Guerra da Restauração, Campolide ficou integrado no sistema de fortificações defensivas da cidade. Em 1651 começaram a construir-se baluartes desde o Livramento, e depois dessa data construíram-se os de Campolide (um na Cascalheira, outro perto da Ribeira de Alcântara), e os da Atalaia e Palhavã.
Pelas características rústicas, com aglomerados soltos, a área era considerada um lugar aprazível, pelo que o clero e a nobreza aqui possuíam quintas. Em finais do séc. XVII, inícios do séc. XVIII começaram a surgir outras quintas, pertencentes a nobres ou a ordens religiosas. Além da Quinta de S. João dos Bem Casados, havia a Quinta dos Rebelos Palhares (à Cruz das Almas), a Quinta dos Padres Jesuítas, desde 1585 (na zona da Rua Marquês de Fronteira, próximo da Penitenciária), e a Quinta de Estêvão Pinto, depois chamada da Torre (junto à igreja paroquial).
Grande proprietário em Campolide era, nesse tempo, Sebastião José de Carvalho e Melo. O Conde de Oeiras e Marquês de Pombal tinha propriedades desde a Cruz das Almas até à Ribeira de Alcântara. Era dono de casas, terras, olivais, pedreiras, fomos de cal, moinhos e azenhas. Uma das suas quintas deu o nome à Calçada da Quintinha, onde em finais do século XX (2000) ainda se conservavam as casas solarengas, que ostentavam brasão no portal de acesso. Para lá da ribeira de Alcântara, perto da atual Vila Ferro, ficava a ermida da Senhora de Santana, também do Marquês, e que foi demolida cerca de 1940. Com um tal património, compreende-se a alcunha de «Carvalhão» que lhe davam por estas bandas e a toponímia perpetuou.
O Aqueduto e Campolide no séc. XVIII
Atravessa esta freguesia o surpreendente Aqueduto das Águas Livres, monumento nacional, obra monumental que tanta admiração despertou em conhecidos viajantes estrangeiros.
Esta magnífica obra foi construída de 1732 a 1748, atravessando com imponentes arcos o vale da ribeira de Alcântara de Monsanto para Campolide. O gigantesco empreendimento, veio alterar profundamente a paisagem, pois ao mobilizar numerosa mão-de-obra, muitos dos trabalhadores acabaram por se fixar em Campolide, na chamada Encosta de Campolide, nascendo então o que passou a ser o Bairro da Liberdade, para acolher os milhares de operários do Aqueduto. Relacionados com a obra foram abertos caminhos e estradas que condicionaram a organização do espaço urbano nesta zona. Multiplicaram-se as habitações precárias, e que precárias e degradadas permaneceram ao longo de décadas.
Na toponímia sobrevive também a memória desses trabalhos na Calçada dos Mestres, que não são outros senão os da obra do aqueduto, com melhores condições de residência que as do Bairro da Liberdade destinadas aos operários.
Em meados do séc. XVIII, já se notava o crescimento urbano de Campolide, com dois núcleos de povoamento mais concentrado: um junto à Quinta de Estêvão Pinto (Campolide de Baixo) e outro na Cruz das Almas (Campolide de Cima); e um povoamento disperso ao longo do caminho que hoje é a Rua de Campolide, e de uma estrada para S. Sebastião, sem correspondência nas artérias atuais. Uma descrição de Campolide em 1760 refere assim o lugar:
“(…) Há [na freguesia de S. Sebastião] outra ermida em uma Quinta no sítio de Campolide em que assiste seu dono Estêvão Pinto de Morais Sarmento, creado particular de Sua Magestade Fidelíssima; tem a invocação de Nossa Senhora da Penha de França; tem torre de sinos, e na dita ernida se fazem várias festividades, muitos sermões, Semana Santa com licença do Reverendo Vigário desta freguesia, de que tudo resulta um grande bem espiritual aos vizinhos da dita ermida. (…) continuando a mesma estrada vindo da Igreja de São Sebastião para a parte de Campolide, está uma boa Quinta e rendoza, que foi dos Padres da Companhia. Tem lagar de azeite e moinho de vento, que por todos são vinte os que há neste sítio de Campolide, na parte que pertence a esta freguesia, como também dez azenhas de água de três rodas cada uma, em que se fazem muitas farinhas para as padeiras cozerem pão, porque o maior trato que tem muita parte das mulheres desta freguesia é amassarem pão, para irem vender fora desta freguesia” (Memórias Paroquiais de S. Sebastião da Pedreira).
Os limites entre a freguesia de S. Sebastião e a de Santa Isabel (criada em 1746) atravessavam Campolide pela estrada dos Bem Casados (Rua das Amoreiras, depois Prof. Sousa Câmara), seguindo pela Cruz das Almas (onde havia um cruzeiro desde o séc. XVII e uma ermida desde 1756) e descendo pela Calçada da Quintinha até à Ribeira de Alcântara. A Calçada dos Sete Moinhos chamava-se estrada da Senhora de Santana, porque ia dar à ermida com esse nome, em frente da qual havia um largo e, junto à ribeira, muitas casas, que seriam soterradas nos grandes aterros que se fizeram nos anos 40 para construção da Avenida de Ceuta.
O terramoto de 1755 poucos estragos fez em Campolide, não afetando a monumental estrutura do Aqueduto (tendo para isso contribuído o facto de os seus alicerces estarem assentes sobre os calcários do cretáceo superior), nem causando vítimas entre os paroquianos de S. Sebastião e Santa Isabel, pelo menos que ficassem registadas. A segurança do lugar levou Manuel da Maia a propor a D. José a construção de um palácio real em S. João dos Bem Casados, e Carlos Mardel projetou a remodelação urbana desta zona, que acabou por não se concretizar.
Uma notícia na Gazeta de Lisboa, dá-nos a conhecer que em 1796, nos dias 7, 8 e 9 de Agosto houve festa e feira franca na ermida da Senhora de Santana, e uma gravura da época mostra-nos a ermida com o adro semicircular embandeirado, sob o cenário do Aqueduto e do bucolismo da ribeira.
Outras gravuras, mais divulgadas, apresentam o lado norte do Aqueduto, e grupos de foliões a merendar e a dançar junto a uma ponte. Era a ponte do Olival do Santíssimo, mandada construir em 1806 pela Irmandade do Santíssimo, de S. Sebastião da Pedreira, e que existiu até aos anos 40 (no fim da Calçada dos Mestres, sítio do Olival). Frequentador assíduo destas paragens era Almeida Garrett, que chegou a alugar casa em Campolide para passar o Verão, e aqui começou a escrever «A Adosinda», em 1827.
As lutas liberais. As Portas de Campolide (séc. XIX)
No séc. XIX, Campolide foi cenário de violentos combates entre as tropas absolutistas e os liberais entrincheirados nos redutos de Campolide, Atalaia e Palhavã, este último o único de que restam vestígios perto da Escola Marquesa de Alorna. Decorria o ano de 1833 e a comandar as tropas liberais estava o Duque de Saldanha, que estabeleceu o seu quartel-general no palácio do Genioux (mandado construir por um comerciante francês desse nome, em 1823). Ao que consta também o regente D. Pedro veio observar os combates em Campolide, utilizando para esse efeito a torre da Quinta de Estêvão Pinto.
Em 1852, com a construção da Estrada da Circunvalação (vinha de Alcântara pelas ruas Maria Pia, Arco do Carvalhão, Alto do Carvalhão, Carlos Mascarenhas, Marquês de Fronteira), uma parte de Campolide ficou dentro dos limites da cidade (intramuros) e outra «fora de portas» (extramuros), assim se mantendo até às delimitações de 1885 e 1922. Em Campolide havia três «portas» ou postos fiscais: Arco do Carvalhão (actual nº 44), Alto do Carvalhão (actual Rua Prof. Sousa Câmara, nº 210), e Campolide (esquina da Rua Marquês de Fronteira, 165, com Rua de Campolide, 55). Em frente deste, nos baixos do prédio do Genioux era o posto de despacho de Campolide.
À história de Campolide e em particular à do Aqueduto andam associados os crimes de Diogo Alves, famoso assassino e assaltante de origem galega. Em 1839 começaram a aparecer cadáveres esmigalhados nas pedras da ribeira, registando-se até Junho desse ano 76 mortos. O povo, apavorado, atribuiu os crimes a Diogo Alves e à sua quadrilha, que roubavam as pessoas no Passeio dos Arcos e as silenciavam definitivamente. Havia quem dissesse que se tratava de suicídios, mas de qualquer modo, eram vítimas demais. Em 1840, Diogo Alves foi preso por outro crime, julgado, e enforcado em 1841, sem nada constar da sentença sobre os crimes do aqueduto. Daí que, Norberto de Araújo, em “Peregrinações de Lisboa”, recuse estes atos como explicação do encerramento do aqueduto, dizendo que estes são mais “fantasia que realidade”. Uma campanha liderada por A. F. Castilho na «Revista Universal Lisbonense», e apoiada pela Junta de Freguesia de S. Sebastião, propunha o encerramento da passagem. Ainda se pensou num gradeamento lateral, mas a Câmara achou exagerado o custo de 14 contos. Os mortos continuavam a aparecer e fechou-se a passagem em 1844. Reclamaram as gentes de Benfica que se sentiam prejudicadas por não usarem aquele acesso à cidade. A Câmara voltou a abrir o Passeio dos Arcos. Mais vítimas. A Junta de Freguesia acabou por conseguir o encerramento a 12 de Agosto de 1852.
Os retiros de Campolide e o fado
Voltaram a tranquilidade e as merendas nas hortas. Júlio César Machado, em 1860 relata uma célebre patuscada em que participou na Rabicha com Ramalho Ortigão, Antero de Quental, Jaime Batalha Reis, João Bumay, Alberto Queirós e Oliveira Martins. Ao todo eram sete e iam «compor uma caldeirada em seis cantos», isto é, um por garfo, já que João Bumay mandou vir um rosbife. Enquanto o «Machadinho» preparava o petisco, foram fazer tempo até à estrada de Campolide, onde trabalhadores reparavam o pavimento. Recolheram um pingo de suor num lenço, e em divertida procissão levaram-no ao cozinheiro que foi batizado com o “suor do povo”.
Além da Quinta da Rabicha, havia outros retiros como o Ferro de Engomar, o mais antigo com esse nome. Foi aí que se tomou célebre um dos primeiros cantadores de fado, de nome José Norberto e por alcunha o «Saloio de Campolide».
É muito provável que os retiros e hortas de Campolide tivessem sido mesmo dos primeiros sítios onde surgiu o fado e o seu antecessor “lundum”. Assim se deduz de uma notícia datada de 1780-1785 referente à Quinta de S. João dos Bem Casados. Residia ali D. Joana Perpétua, irmã do Duque de Lafões, quando, devido aos bons ares do lugar, vieram os «reais meninos» tratar-se da tosse convulsa. Para os distrair, «ela mandou vir os pretos da Rabicha que cantaram modinhas à viola e dançaram o “lundum”. O costume dos lisboetas irem para as hortas da Rabicha teria começado quando o aqueduto estava em construção, e nos domingos as gentes da cidade acorriam junto à ribeira para admirar as obras.
Campolide em construção. O Bairro Novo
Na Quinta da Torre veio instalar-se, em 1858, o Pr. Carlos João Rademaker, com o intuito de aí organizar “clandestinamente” a sede da Companhia de Jesus, até que, em 1880 passou a sede oficial da Província Portuguesa. Aí se organizou o célebre Colégio de Campolide (que teve a sua inauguração a 28 de Junho desse ano), que serviu de modelo a todos os outros da Companhia e onde se concretizou uma notável reforma pedagógica do ensino em Portugal. O Colégio tinha uma localização esplêndida na quinta que Rademaker comprou ao poeta, jornalista e escritor defensor das ideias miguelistas, João de Lemos. Até 1890, o conjunto edificado, aproveitando muito das casas existentes, tinha a forma quase conventual. Depois de 1904, concluíram-se as obras de remodelação que deram ao Colégio um ar de imponência arquitetónica notável, retangular; equilibrado e majestoso. A Igreja do Colégio foi consagrada em 1884, e a sua primeira pedra foi lançada a 8 de Dezembro de 1879. É fiel à estrutura estilista dos Jesuítas, com elementos clássicos de influência italiana.
As deslocações de Lisboa para Campolide foram facilitadas em 1882 com o estabelecimento de carreiras da Companhia Rippert para as Portas de Campolide. Em 1885 foi inaugurada a Penitenciária de Lisboa, começada a construir em 1874, logo após a abolição da pena de morte em Portugal, e que imitava o modelo inglês da prisão de Birmingham. Perto, em 1862, tinha sido inaugurado o Reservatório do Pombal, para abastecimento de água às zonas altas da cidade. De 1863 a 1868 foi construído o Quartel de Artilharia Um que, após diversas funções, acabou por ser um anexo do Hospital Militar e hoje é a sede do Instituto Geográfico Português.
Outra edificação neste período, foi a do Asilo das Irmãzinhas dos Pobres, com obras de 1888 a 1900, mas que foi logo ocupado, de modo que em 1895 já albergava 240 pobres. De 1900 data a fundação do Asilo Espie de Miranda, na velha Quinta da Mineira.
O desenvolvimento de Campolide mais urbano ocorreu sobretudo depois da construção da linha-férrea de Alcântara a Campolide (1886) e do túnel do Rossio, ou da Rabicha (1890). Ao mesmo tempo, as antigas terras dos Braamcamps, desde a Rua de Campolide até à Calçada dos Mestres, eram vendidas em lotes, pela condessa do Paço do Lumiar, para construção do chamado Bairro Novo de Campolide. Os preços eram acessíveis, de 6 tostões a 25 o metro quadrado. A venda fez-se em 1889 e ao todo apareceram 53 compradores, mas quem mais lotes adquiriu foi um tal António Fernandes dos Reis, o «Fernandinho», que comprou 2600 m2, e de que a toponímia local guarda a memória (Alto do Fernandinho, Pátio do Fernandinho). As primeiras ruas foram numeradas de 1 a 4 e correspondem às atuais Conde das Antas, General Taborda, Vítor Bastos e Carlos Mascarenhas. O aumento de moradores levou a que, em 1905, Campolide começasse a ser servido por uma linha de «elétricos».
Junto à ribeira tinham-se estabelecido algumas unidades fabris, como por exemplo uma fábrica de cola, perto do Tarujo, e uma fábrica de curtumes, em Santana. Debaixo dos arcos do Aqueduto, ficava a fábrica de estamparia do Sr. Frick. Na rua Soares dos Reis, laborava desde 1901 a Fábrica de Produtos Cerâmicos de Campolide.
Em direção a Sete Rios subsistiam quintas onde algumas famílias de Lisboa vinham passar férias. Havia também o hábito dos doentes da «tísica» virem na Primavera convalescer para Campolide. Autores da época referem que o Casal do Sol (ou do Sola), junto à Quinta da Pedreira Preta, tinha o «aspeto de um recanto de Sintra entre o arvoredo».
Na ermida da Senhora de Santana havia festa, romaria e arraial no primeiro domingo de Agosto, muito concorridos pelas gentes de Alcântara e pelos marítimos em geral, mas também pelos lisboetas que enchiam os comboios para Campolide nessas ocasiões.
Século XX: da Primeira República aos anos 30
Nas conspirações que precederam a implantação da República, andaram sempre envolvidos revolucionários de Campolide, onde a Carbonária tinha numerosos filiados. Na noite a seguir ao Regicídio (1 Fev. 1908), em frente à casa de João Franco, na rua Alexandre Herculano, foram presos sete operários de Campolide, por se suspeitar que preparavam um atentado. Quatro deles moravam na Vila Borba, dois na rua Conde de Antas e um na Vila Zacarias. O 5 de Outubro de 1910 teve em Campolide alguns dos seus episódios mais notáveis, quer pela ação das tropas sublevadas no Quartel de Artilharia Um, quer pelos combates no Alto da Rotunda (defronte à Penitenciária). Logo após a vitória republicana, tropas e populares empreenderam buscas nos subterrâneos do Colégio dos Jesuítas de Campolide, largamente noticiadas na imprensa da época. O colégio jesuíta foi encerrado e serviu muitos anos de depósito da Farmácia Central do Exército. As Irmãzinhas dos Pobres viram-se compelidas a sair, regressando em 1938.
Com a afluência de gentes da província, sobretudo depois da primeira Grande Guerra, surgiram os bairros degradados, como o Bairro da Liberdade, logo seguido de outros núcleos de habitações rudimentares nas imediações da estação do caminho-de-ferro, na Rabicha, no Tarujo, e em Santana, junto à ribeira, nos anos 20 e 30. O desenvolvimento do Bairro da Liberdade ocorreu por volta de 1920, altura em que se ligou ao Bairro dos Arcos, um pouco mais antigo. Conta-se que dois indivíduos, um tal Ferro e outro, começaram a vender terrenos a preços convidativos, e quando se descobriu que os terrenos eram do município já eles tinham abalado para o Brasil. A designação Bairro da Liberdade deveu-se ao republicano Carlos Rodrigues dos Santos, o «Carlos da Parteira», que de acordo com a memória local batizou as primeiras crianças que ali nasceram com os nomes de Libertino e Libertina.
Na Primeira República, Campolide foi palco de greves, revoltas e sublevações diversas. Greves, por exemplo, em 1910, a dos cabouqueiros da fábrica de Casimiro José Sabido. Ou, em 1914 e 1917, as greves dos ferroviários de Campolide. Revoltas, assinale-se em 5 de Dezembro de 1917, no Alto do Parque, o golpe militar de Sidónio Pais. Ou em Outubro de 1921, quando os oficiais do Quartel de Metralhadoras e de Caçadores 5 se rebelaram. Nova insurreição do Quartel de Metralhadoras em 18 de Abril de 1925. Às «portas de Campolide» (Alto de Campolide), em 1926, tentaram as tropas fiéis ao Governo resistir ao golpe militar de 28 de Maio. Já em 26 de Agosto de 1931, foram os militares de Caçadores 5 que saíram para atacar os revoltosos no Parque.
No mesmo período, alguns acontecimentos da vida social e associativa merecem ser referidos na seguinte cronologia:
1914 – Fundação do Campolide Clube.
1915 – Criação da Casa de Saúde das Amoreiras.
1920 – Fundação do Santana Futebol Clube.
1921-1940 – Campo de jogos do Sport Lisboa e Benfica (zona do atual Liceu Francês).
1925 – Fundação do Sport Lisboa e Campolide.
1930 – Fundação do Campolide Atlético Clube.
1931 – Criação da «capela-escola» do Centro de Educação Popular.
1934 – Fundação do Clube Atlético da Cascalheira.
1935 – Fundação do Liberdade Atlético Clube.
Em 1933 gizou-se um plano de realojamento ao abrigo do regime de casas económicas, que veio a resultar no Bairro Social da Serafina, que é atualmente parte integrante da Freguesia. O Bairro está bem enquadrado com o Aqueduto e com a paisagem natural. Tem uma zona de habitações unifamiliares e outra de equipamentos (escola primária, centro popular. comércio e serviços públicos) e representa um bom modelo de intervenção estatal na década de 30 do século passado.
Nos anos 30, deve ainda referir-se a instalação em Campolide do Colégio das Doroteias, no antigo palácio do Visconde de Abrançalha. Em 1936 já circulavam “elétricos” na Marquês de Fronteira. E em 7 de Outubro de 1938, era criada a paróquia de Santo António de Campolide, tendo a igreja sido entregue à Irmandade de Nossa Sr.ª do Rosário, ereta na igreja do mosteiro de Santa Joana (Rua de Santa Marta).
Século XX: dos anos 40 à Revolução dos Cravos
Na década de 40, começou a ser tapada a Ribeira de Alcântara, onde os esgotos corriam a céu aberto. Fizeram-se as grandes obras do Viaduto Duarte Pacheco e os aterros para a Avenida de Ceuta. Um roteiro de 1944 ainda assinalava 16 pátios e 53 vilas em Campolide. Estava a iniciar-se a construção dos bairros de casas económicas do Alto da Serafina e da Calçada dos Mestres. Continuou entretanto o afluxo de migrantes oriundos da província (em particular do Minho e Beira Alta) e continuaram a proliferar as construções clandestinas, num processo que só nos finais do século XX (anos 90) começou a ser interrompido. Em Campolide, nos anos 40-60, teve o Partido Comunista Português algumas das suas casas clandestinas (Rua Arco do Carvalhão e Rua General Taborda) e uma tipografia (Rua Vítor Bastos). De 1942 a 1945, na Escola dos Ferroviários, deu aulas Maria Machado, professora primária e funcionária clandestina do P.C.P.
Alguns factos dos anos 50-60 com interesse para a história da freguesia, podem apresentar-se cronologicamente:
1952 – Inauguração do Liceu Francês Charles Lepierre.
1955 – Inauguração da Escola Primária 23.
1957 – Judo Clube de Portugal.
1958 – Começou a funcionar, junto a Palhavã, a Escola Preparatória Marquesa de Alorna.
1959 – Criação da freguesia civil de Campolide.
1960 – População residente: 33764 habitantes.
1961 – Abertura de um anexo do Hospital Militar, no Regimento de Artilharia Um, devido à guerra colonial.
1967 – Conclusão do encanamento da Ribeira de Alcântara.
1967 – Abertura da Avenida Gulbenkian.
1970 – Criação do Grupo de Teatro de Campolide.
1970 – Inauguração do Palácio da Justiça.
1970 – População residente: 30 110.
O decréscimo populacional entre 1960 e 1970 explica-se em parte pelas obras de construção da Avenida Gulbenkian que desalojaram 540 famílias dos bairros da Ribeira de Alcântara, parte da Calçada dos Mestres e Tarujo. Junto ao viaduto Duarte Pacheco, em Vila Pouca, foi demolida uma espécie de hospedaria que funcionava num casarão e a que chamavam a «Casa da Malta».
Anos recentes
As tradições republicanas de Campolide e as convicções democráticas dos seus moradores tiveram expressão na forma entusiástica como se viveram e sentiram aqui os primeiros tempos da Revolução de Abril. Refira-se que uma das unidades militares que saíram na madrugada libertadora foi justamente Caçadores 5.
Campolide foi a primeira freguesia da cidade de Lisboa a promover comemorações de rua no 1º aniversário do 25 de Abril. A existência de uma forte dinâmica popular e associativa levou à constituição, em 1975, da União dos Clubes de Campolide, em que participavam 32 coletividades ou associações. As cooperativa Bela Flor e do Bairro da Liberdade fizeram tentativas para diminuir as carências de alojamento, e tiveram um êxito relativo que deve ser salientado, mas ainda assim insuficiente para solucionar o problema habitacional, já que se verificou um forte afluxo de imigrantes.
Entretanto, no conjunto da freguesia, a população residente diminuiu para quase metade no últimos trinta anos do século XX, passando dos 30.110 habitantes registados em 1970 para 26.655 em 1981, 21.669 em 1991 e 15.927 em 2001. O censo de 2011 inscreve o que parece indiciar uma tendência de estabilização da população, com 15.460 residentes.
Nos últimos anos, deve destacar-se no plano social a obra do Centro Paroquial de S. Vicente de Paula, no Bairro da Liberdade, a execução do Plano Especial de Realojamento, com a demolição das barracas da Quinta do José Pinto. Assistiu-se também à construção (1994-1998) de um conjunto urbano de luxo, a que se chamou Nova Campolide, justamente no local onde existiam alguns dos mais antigos vestígios de Campolide: os Fornos de Cal do Sabido e o Cazal de Campolide. Em 1997 entrou em funcionamento o Eixo Viário Norte-Sul e, em 1998, a Avenida Miguel Torga. Em 2000, foi inaugurada a nova estação ferroviária. Entretanto, na calçada da Quintinha, surge um novo conjunto habitacional. Entre a Av. José Malhoa e o Eixo Norte-Sul, construíram-se seis imóveis, as chamadas «Twin Towers», frente a Monsanto.
Tudo isto são mudanças que irão afetar a identidade local, mas que o saudável bairrismo das gentes de Campolide saberá certamente integrar, sem perder o carácter.